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  • sabrinacorrea1

Nexo entre as mudanças climáticas, água, energia, alimentos e economia. Aonde começa o problema?

Eu não sei como você vê, mas hoje parece que a normalidade a cada dia é falar sobre mais um problema, sobre mais um setor afetado pela crise. Calma aí, qual crise estamos falando?


Imagem: pixabay


Nunca fez tanto sentido as citações de Fritjov Capra, físico e ecólogo, sobre todas as crises existentes serem faces de uma única crise, a de percepção. Ele escreveu isso em 1987, em seu livro O Ponto de Mutação.

E a percepção apresentada aqui é transformação da mentalidade de separação e independência para a mentalidade de totalidade e interdependência. Como assim?

A sociedade ainda sofre influencia no modo de pensar a partir de uma visão linear, reduzida, e… individual, em um mundo onde está tudo interligado por vários sistemas.


Um exemplo disso, são as mudanças climáticas.

Muitos ainda as veem como algo separado e distante.

É comum essa visão, porque o campo de visão da realidade é limitada ao que se vê, e a rotina diária cada vez mais complexa e acelerada, permite que menos ainda seja visto.


Para exemplificar o que estou falando, vou trazer a conexão das mudanças climáticas com a água, a energia e a produção de alimentos, e consequentemente a economia, que faz parte da gestão de problemas no Brasil hoje, e como esta conexão está sendo retroalimentada pelos mesmos modelos que criaram este desequilíbrio.


O bioma Amazônico influência nas chuvas que atingem o centro-oeste e sudeste do Brasil, onde grande parte dessa área pertence ao bioma Cerrado.

No Cerrado está 8 das 12 bacias hidrográficas importantes para o consumo de água e geração de energia no país. A falta de chuva na região influencia na seca do Pantanal, desde o Rio São Francisco e até em Itaipu, uma das hidrelétricas do país, abastecida pela bacia do Rio Paraná (G1, 2021).

Com os reservatórios baixos, o fornecimento de energia proveniente das hidrelétricas é reduzido, necessitando acionar as usinas termelétricas que utilizam como fonte gás, óleo, carvão mineral, nuclear e biomassa, que no final emitem mais gases do efeito estufa na atmosfera, contribuindo ainda mais com o aquecimento global (CCEE, 2020).

As termelétricas consomem grande volume de água para seu resfriamento, e se esta água não for resfriada antes de voltar para os rios, a temperatura elevada gera grande impacto no ambiente aquático.

O uso das termelétricas custa mais caro para operar, então esses custos são distribuídos a todos os consumidores, empresas e pessoas, contribuindo para o aumento da inflação de todos os produtos e serviços.

O Cerrado também concentra a maior parte de atividades agrícolas do Brasil. (IBGE, 2020)

O consumo de água para irrigação e abastecimento animal no Brasil corresponde a 78,3% (ANA, 2017), com menos água a produtividade diminui e os custos de produção aumentam.

Com os custos mais altos, a preferência do produtor é recuperar os lucros através da exportação, pela influência do dólar e preço das commodities.

Exportando mais, fica menos oferta de produtos no Brasil, como a demanda é maior, os preços sobem, contribuindo mais uma vez para o aumento da inflação.

Por outro lado, as hidrovias que transportam as commodities até os portos estão sendo afetadas pelo baixo nível de água impedindo o transporte mais barato e, forçando o produtor utilizar transporte terrestre, que aumentam os custos, consequentemente afeta também a lucratividade (O Globo, 2021)

Mais caminhões rodando para levar o que uma balsa levaria, mais emissão de gases do efeito estufa, contribuindo mais com o aquecimento global e mudanças climáticas.

Com menos chuva e água para irrigação, o solo fica mais seco, com solo seco e sem biodiversidade nas áreas de pastagens e monocultura, o solo perde também a capacidade de fixar nutrientes. Perdendo nutrientes, exige maior uso de fertilizantes.

Os fertilizantes em sua maioria possuem compostos petroquímicos, e durante a sua produção é gerado emissões de gases do efeito estufa, contribuindo com o aquecimento global.

O solo sem nutrientes e seco fica mais exposto e se degrada, e solo degradado não produz. No Brasil, 26,7% de área de pastagem encontra-se em níveis severos de degradação. (LAPIG/UFG, 2020)

Recuperar solo degradado, custa mais caro do que desmatar e abrir novas áreas. Aonde no Brasil tem abundância de solo virgem e saudável? Na Amazônia.

O desmatamento da Amazônia emite mais gases do efeito estufa na atmosfera, contribuindo com o aquecimento global e, afeta a biodiversidade, perdendo a sua resiliência. Enfraquece o bioma e aumenta o desequilíbrio.

O aquecimento global está causando mudanças climáticas, desequilibrando o clima dos biomas, afetando as chuvas, influenciando na disponibilidade hídrica e estendendo os períodos de seca.

Sem água não tem energia barata. Sem água não tem oferta de alimentos. Sem água os preços sobem. Sem água a economia não se sustenta. Sem água, não tem água.


Está tudo conectado. Repetir esse looping não é sustentável economicamente, muito menos ainda para a sociedade.

Em curto prazo, pode-se até ver o aumento de PIB com exportações de commodities, mas a longo prazo perdem-se qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente, o qual todos somos interdependentes. Será esta uma ilusão de economia em crescimento?

É claro que, o nexo entre mudanças climáticas, água, energia e economia não se limita apenas a produção de alimentos e ao setor agropecuário. Todos os setores consomem água e energia, e assim como as atividades no campo impactam o clima e a biodiversidade, a poluição gerada nas cidades também.


É necessário ressignificar o modelo de produção e consumo de forma geral, ou seja, transformar a gestão econômica em um modelo realmente sustentável. Pode parecer impossível, mas é mais simples do que nossos olhos conseguem ver, porque este modelo já existe, sobrevivendo à longo prazo e se comprova próspero até hoje. O ecossistema da Terra.


Os ecossistemas, que incluem as comunidades que vivem neles, possuem padrões e processos que se autorregulam, buscando o seu estado de equilíbrio saudável para a sustentabilidade do todo, atendendo às necessidades das comunidades que vivem nele e uso eficiente de energia.


Se aprendermos o padrão de rede, que é a interconexão entre todos os seres e sistemas, não ficaria difícil de compreender os impactos e as relações das mudanças climáticas com a água, a energia, os alimentos, a economia e a saúde.


O princípio de ciclos na ecologia mostra que todas as comunidades ecológicas são definidas e mantidas por meio da troca cíclica de recursos entre os membros. Isso quer dizer que é necessário planejar processos em ciclos interconectados de circuito fechado, para ser eficiente. Um bom exemplo disso, é fechar o ciclo do alimento. Hoje, em toda a cadeia de fornecimento de alimentos é desperdiçado ⅓, ou seja 30% do que foi produzido (ABRAS, 2019), e os resíduos orgânicos gerados estão indo para aterros sanitários, gerando passivo ambiental como emissões de gases do efeito estufa e possível contaminação de lençol freático. Segundo a ONU, estima-se que entre 8% e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa estão associadas a alimentos que não são consumidos.

Estes resíduos orgânicos são nutrientes que deveriam estar voltando para o solo, o que ocasionaria a redução da dependência de compostos sintéticos e, regeneraria os estoques naturais dos ciclos biogeoquímicos, como o nitrogênio e fósforo, que já se encontram em seu limite.


O terceiro princípio ecológico que gostaria de mencionar é o de fluxo contínuo de energia. A energia solar sustenta todas as vidas direta ou indiretamente e aciona quase todos os ciclos ecológicos. Hoje, a energia de fonte renovável (solar, eólica, geotérmica, ondas e biomassa) corresponde apenas 9,7% da matriz energética do mundo. No Brasil, com grande potencial na área do Nordeste, a energia solar corresponde apenas a 1,7% da matriz elétrica (EPE, 2021).


Mesmo após estes argumentos, vão existir contrapontos, condicionamentos e impedimentos para que isso se torne viável para uma modelo que foi desenvolvido à mentalidade linear, imediata e fragmentada. Por isso, gostaria de mencionar um último princípio dos ecossistemas: o Desenvolvimento.


Toda a vida muda ao longo do tempo, desde os organismos individuais, espécies inteiras e até ecossistemas inteiros. Os sistemas vivos se desenvolvem e aprendem, as espécies se adaptam e evoluem, os ecossistemas se transformam através da coevolução dos organismos dentro deles. (Wahl, 2020).


Em pontos críticos de instabilidade, como o que vivemos agora, surge espontaneamente na natureza uma nova ordem, chamado de "emergência", que é a característica essencial de auto-organização dinâmica e, de fato, uma das marcas da vida (Capra, 2021). A emergência é reconhecida como a dinâmica implícita ao desenvolvimento, à aprendizagem e à evolução. Em outras palavras, a intenção e criatividade, que geram novas formas de ordem, é uma propriedade-chave de todos os sistemas vivos. A natureza sempre alcança novos espaços para criar novidades.



A ótima notícia é que exemplos baseados nos princípios da ecologia já estão emergindo. Podemos mencionar a economia circular, que busca desenvolver novos modelos de produção e consumo em ciclos contínuos de desenvolvimento positivo, que preserva e aprimora o capital natural, otimiza a produtividade de recursos e minimiza os riscos sistêmicos gerindo estoques finitos e fluxos renováveis, para dissociar o desenvolvimento econômico global do consumo de recursos finitos (Ellen Macarthur, 2020).

Isso inclui a bioeconomia, uma nova agenda econômica para o Brasil, com atividade associada à invenção, ao desenvolvimento, à produção e ao uso de produtos e processos baseados principalmente em recursos biológicos e como um campo multidisciplinar que inclui as indústrias de saúde, energia, agricultura, produtos químicos e materiais especiais (BNDS, 2018). Dentro desta perspectiva, a Amazônia que já vale muito mais em pé pelo seu capital natural, se tornaria muito mais produtiva através do uso regenerativo dos seus recursos renováveis.


Estes são apenas dois modelos, das muitas novidades que estão nascendo para trazer luz aos problemas sistêmicos, os quais precisam de soluções sistêmicas.


Não é um caminho fácil de percorrer, e nem barato. Exige disrupção de estruturas, de ideias, hábitos e mentalidade. Mas é possível, existem exemplos de sucesso.

Só é preciso aceitar. É preciso vontade. É preciso recomeçar.


E por onde começar?

Discutindo novas ideias, como por exemplo comentando este post e compartilhando essa visão com todo mundo.


Afinal, se está tudo interligado, isso só será possível através da cooperação de todos os envolvidos, intencionando relações de ganha-ganha-ganha entre o meio ambiente, a sociedade e a economia.






Sabrina Corrêa

MSc. Engº Ambiental e Sanitária

Consultora Gestão Ambiental e Sustentabilidade


Outras referências mencionadas:

Livro: O ponto de mutação, Fritjov Capra, 1987.

Livro: Design de Culturas Regenerativas, Daniel Christian Wahl, 2020.

Conjuntura Recursos Hídricos do Brasil, 2017, cap. 3 - Usos da Água, ANA.

A Bioeconomia Brasileira em números, BNDS, 2018.

Visão Sistêmica da Vida, curso Fritjov Capra, 2021.







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